19/04/2024

Bitcoin pós-halving: o que muda para os mineradores da criptomoeda?

Por: Ricardo Bomfim
Fonte: Valor Econômico
O halving do bitcoin (BTC) afeta todo o mercado, mas os mais atingidos
certamente são os mineradores, uma vez que a recompensa em bitcoins que eles
recebem por descobrirem novos blocos da criptomoeda cai pela metade. Para
executivos do setor ouvidos pelo Valor, o halving desta sexta-feira (19) terá
limitado ou nenhum impacto de preço na criptomoeda, mas será
profundamente sentido pelos mineradores, devendo causar uma consolidação
no setor.
Para entender o fenômeno, vale lembrar como funciona a mineração de
criptomoedas. Na mineração de bitcoin, máquinas com alto poder
computacional ficam ligadas resolvendo a criptografia do blockchain da maior
das moedas digitais até encontrar um novo bloco. É neste bloco que
futuramente serão validadas as transações com bitcoin. Os blocos possuem
cerca de 1 megabyte e, com isso, podem processar, no máximo, de 3 mil a 4 mil
transações a depender do tamanho dos dados contidos nelas. Quando um bloco
é encontrado (o jargão do setor diz minerado), novas unidades de BTC são
emitidas e enviadas à máquina que o encontrou.
Antes do halving, esta recompensa está em 6,25 bitcoin por bloco minerado, o
equivalente a US$ 406,3 mil ou R$ 2,13 milhões considerando um BTC a US$
65 mil e o dólar a R$ 5,25. A partir do halving, ela passa a ser de 3,125 BTCs
por bloco, o que dá US$ 203,1 mil ou R$ 1,07 milhão. Um ponto relevante é
que os grandes mineradores trabalham em consórcio para obter uma renda mais
estável. Deste modo, se uma máquina da Marathon Digital encontra um novo
bloco de bitcoin, por exemplo, todos os grandes mineradores dividem a
recompensa deste bloco de maneira proporcional à capacidade computacional
que dedicaram à rede. Por causa da alta competitividade, é cada vez mais raro
um minerador de fora deste grande consórcio conseguir sozinho encontrar um
novo bloco e ficar com toda a recompensa.
Co-fundador da Arthur Inc., o brasileiro Raymond Nasser diz que a queda na
recompensa em novos bitcoins causada pelo halving provoca uma seleção
forçada dos agentes mais eficientes. Nasser explica que pela própria natureza
do evento, o halving prejudica em um primeiro momento a rentabilidade das
operações de todos os mineradores, mas aqueles que trabalham com custos de
energia mais elevados são proporcionalmente mais impactados e correm o risco
de fecharem as portas. “Você tem que ser mais eficiente, minerar mais bitcoins
a um custo menor de energia. As máquinas mais modernas, como a Antminer
S21, permitem isso”, destaca.
Para Eduardo Meyer, diretor de operações da FMI Minecraft, uma empresa que
possui uma planta de mineração cripto na Argentina, quem possui um
fornecimento de energia a custos maiores do que 7 ou 8 centavos de dólar
por kilowatt/hora, terá uma operação bem difícil daqui para frente. “Por
design, escolha de operações, sempre buscamos estar o mais próximos possíveis
de 3 centavos de dólar”, conta.
Após o impacto inicial negativo do halving, os mineradores acreditam que
ocorrerá um rebalanceamento do setor. Com a saída dos atores menos
eficientes, a competição por novos blocos fica menor e a rentabilidade volta a
crescer, mas em um ambiente mais concentrado e consolidado.
A atratividade, contudo, está intimamente ligada ao preço da unidade de bitcoin.
A cada halving há um novo preço de equilíbrio para o qual a operação se
mantém rentável, uma espécie de breakeven abaixo do qual o minerador passa
a gastar mais com energia e equipamento do que recebe com a mineração.
Hoje, a maior mineradora de bitcoin do mundo é a Marathon, que só em
dezembro de 2023 conseguiu minerar 1.853 bitcoins. O CEO da companhia,
Fred Thiel, disse no começo deste mês que a Marathon enxerga este preço de
equilíbrio atualmente em US$ 46 mil.
Rudá Pellini, cofundador da Arthur, afirma que o valor é um pouco maior do
que aquele percebido por sua empresa, mas que isso é reflexo do modelo de
negócios da gigante americana. “A Marathon, até dois meses atrás, tinha zero
operação proprietária, era tudo por terceiros. Quando você tem uma empresa
que terceiriza essa operação, o custo é mais alto, porque eles pagam um
adicional”, argumenta. A Arthur, de acordo com ele, enxerga o preço de
equilíbrio do bitcoin próximo de US$ 40 mil. Nasser, por sua vez, afirma que
há mineradores do mercado cujos custos são tão elevados que precisam de um
bitcoin a US$ 65 mil para se manterem rentáveis.
Em relação à cotação do bitcoin, os mineradores consideram que o halving terá
impacto limitado ou nenhum, pois o mercado já se antecipou ao corte de oferta.
“Acredito que está precificado. É impossível acontecer alguma coisa fora do
esperado, não vai ser como quando sai um dado econômico no mercado”,
defende Nasser.
Pellini, por sua vez, acredita que o histórico de grandes valorizações do bitcoin
pós-halving pode ocorrer, mas não talvez por causa do evento em si, e sim por
outros drivers que surgirão posteriormente. Um deles seria o descompasso
entre oferta e demanda devido ao crescimento da procura por bitcoins vinda
do lançamento dos fundos negociados em bolsa (ETFs) de BTC à vista nos
Estados Unidos com a redução progressiva no número de unidades de bitcoin
que poderão ser emitidas via mineração.
“Acredito que vai ter um ciclo de alta depois, dado o fluxo de entrada de
dinheiro novo e interesse. Aumentou muito o interesse de companhias de
energia, inclusive, para otimização com a indústria”, aponta. Pellini diz que
muitas geradoras de energia com potencial ocioso acabam se beneficiando ao
atrair mineradores com preços menores de eletricidade.
Na mesma linha, Meyer entende que o bitcoin chegará aos US$ 100 mil no atual
ciclo. “O bitcoin é um ativo para adquirir independente do preço, mas com
certa constância. Se não tivermos atingido US$ 450 mil em seis anos eu me
surpreenderia”, prevê.
Já Nasser acha possível que o BTC chegue a US$ 140 mil até o final do ano
caso as condições macroeconômicas globais se mantenham estáveis até lá, sem
muita deterioração além da que já ocorreu nas perspectivas para redução dos
juros americanos este ano.